sexta-feira, 28 de março de 2008

A Ponte

por Hugo Bernardo

Foi ao ler o artigo “Jumpers” (saltadores), escrito pelo jornalista do The New Yorker Tad Friend, que o documentarista Eric Steel teve a idéia de seu próximo projeto. O texto tratava de acontecimentos que se tornaram habituais para os que transitam pela ponte Golden State, na Califórnia, presenciarem; pessoas escolhem esse local para cometerem suicídios. E é isso que Steel pretende enfatizar no seu perturbador documentário A Ponte (The Bridge, EUA, 2006).




O problema inicial em trabalhar com esse tema é que nenhum governo gostaria de ter uma reputação dessas para seu maior patrimônio. Muito menos que alguém fizesse uma obra de impacto mundial apontando esse fato. Então, como o documentarista poderia obter uma licença para trabalhar seu tema? No caso de Steel, ele teve que mentir. E é aí que entra o primeiro embate ético que está ligado à obra. Ele disse para o comitê local que pretendia “filmar a poderosa e espetacular interação entre o monumento e a natureza”. Só depois de quase dois anos (as filmagens duraram todo o ano de 2004) que todos perceberam que foram enganados.

Com a liberação do governo local para realizar as filmagens, Eric Steel e sua equipe armaram diversas câmeras, em vários pontos diferentes do local. O cenário estava pronto. E, de acordo com as estatísticas (que apontam para um suicídio a cada quinze dias), o realizador teria bastante conteúdo para trabalhar em seu documentário. O que restava, então, era esperar. Mas, o que Steel esperava filmar é algo que, em termos éticos, é complicado assentir que é correto. Ele captava as pessoas se matando sem interferir nos atos. Isso é certo? Muita gente pode achar a idéia horrível demais e não se sujeitar a vê-la.

A idéia do documentário é querer explicar – a partir de amigos e familiares dos que se suicidaram na ponte – os fatos que levaram estas pessoas a tirarem suas próprias vidas. Há muito tempo que o suicídio fascina as pessoas; pode ser visto como um ato híbrido entre medo e coragem. O estilo de Steel de abordar o tema na obra é interessante. Ele não dá bola para alguns artifícios típicos do documentário – como a narração em off ou sua presença conduzindo as entrevistas (ele nunca aparece na projeção) –, o cineasta opta, na verdade, por tentar captar o “real” sem camadas, de forma crua e direta. No filme isso é traduzido na maneira despretensiosa que ele constrói as seqüências dos acontecimentos, do jeito que eles se desenvolveram originalmente.

O documentário começa com o que aparenta ser um dia normal na Califórnia. Pessoas e carros transitam a ponte Golden State e, lá embaixo, surfistas alçam pequenos vôos com o kite surf (um tipo de surf que usa pipas). Então, a câmera pousa num homem que contempla o lugar. Ele parece ser uma pessoa normal; usa um boné vermelho e camisa verde, aparência tranqüila. No momento seguinte, ele dá um rápido salto pelo pequeno muro de proteção e se joga. A queda é filmada na integra. Tudo isso em menos de cinco minutos de projeção. Daí dá pra perceber que as imagens que veremos no filme não são de fácil assimilação.

Um dos casos interessantes narrados pelo filme foi um salvamento forçado de uma quase-suicida. Richard Waters estava tirando fotos na Golden State, quando percebeu que uma mulher havia pulado o muro de proteção e estava prestes a cometer suicídio. Waters, então, revela que seu primeiro impulso foi de tirar fotos dela. “Quando eu estava atrás da câmera, era como se aquilo não fosse real”, explica. O interessante dessa idéia do rapaz é a possibilidade de traçar um paralelo com o próprio filme. Estamos vendo cenas impactantes e perturbadoras, mas por estarem filtradas pela câmera, o impacto do “real” acaba um pouco diluído.

Dentre os vários suicidas daquele ano (2004), Eric Steel escolheu um “personagem principal”. Gene usa camisa e calças pretas, óculos escuros e um longo cabelo preto. Em determinado momento, aprendemos, a partir de uma de suas amigas, que também as cortinas, paredes e lençóis em seu quarto eram pretos. “Era como se ele não quisesse contraste”, analisa. Ao longo da projeção o vemos andando de um lado pro outro da ponte, ao som de depoimentos de alguns amigos. Steel tenta compor um quadro de características de seu “personagem”, por quem aparenta ter certa afeição. Só que o trabalho acaba ficando distante e impessoal; não existe empatia, sentimos apenas pena de uma pessoa deveras perturbada.

E é isso que parece conectar essas pessoas; a melancolia. Todos carregam dentro de si problemas de relacionamento, depressão e outros transtornos. A música de Alex Heffes transpira esse sentimento. Os tons são, além de melancólicos, solitários. É uma trilha que capta bem a idéia proposta pelo tema do filme. Só que não é uma obra ficcional, e sim um documentário. A oposição a esse tipo de artifício (a música), dos mais ferrenhos defensores desse gênero, está no fato de que ela não cabe numa obra que se proponha representar a realidade tal como a vivemos. Quando andamos na rua, entramos num carro ou, no caso do filme, pulamos de uma ponte, não existe um piano leve no fundo que tenha o propósito de emocionar espectadores.

Fica a impressão, depois do filme, que o documentarista não fez nada de extraordinário no documentário. As imagens que ele captou são chocantes, mas ele dá a elas apenas uma idéia de espetáculo. Steel não aborda a facilidade que as pessoas têm de se suicidar na ponte Golden State, tampouco debate o suicídio em si. Parece mais uma oportunidade gratuita de trazer à tona uma discussão mórbida sobre o ato de filmar pessoas cometendo um fascinante e perturbador ato.

2 comentários:

Gedoc disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ronny Ventura disse...

Acabei de ver o documentário e encontrei seu blog prcurando pela canção que toca no final do mesmo.

Realmente é dificil entender pois estava na cara que o Gene ia se jogar, por que não ajuda-lo?

Covardia em nome da arte.
Não achei isso correto muito menos a forma como é mostrado, ocmo espetáculo...

Dispensável, e que nos remete a um sentimento de miséria humana...