segunda-feira, 17 de março de 2008

Jogo de Cena

Representação ou realidade? O gênero documentário ainda carrega a polêmica entre ficção e verdade. Em “Jogo de Cena” (2007), Eduardo Coutinho não foge à regra, acrescenta ao propor uma mescla de atuação, interpretação e realidade. O 10º longa-metragem do diretor convoca mulheres para participar do filme por meio de um anúncio de jornal. O classificado resultou na seleção de 23 das 83 inscritas. Em junho de 2006, as personagens escolhidas contaram algum fato relevante de suas vidas. A história foi contada duas vezes, uma por elas e outra por atrizes, que interpretaram os depoimentos aos seus modos três meses depois.


As situações relatadas são extremamente emotivas. Com as cadeiras do Teatro Glauce Rocha (RJ) ao fundo, mulheres de personalidades divergentes contam histórias peculiares. As atrizes, algumas renomadas como Andréa Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra, recontam os momentos e, fica ao cargo do telespectador descobrir quem é personagem e quem é atriz. O jogo é difícil, já que Coutinho consegue deixar todas à vontade em frente às câmeras. As atrizes, principalmente de rostos menos conhecidos, deixam o público sem saber se ela é a personagem ou se está interpretando. Fica ainda mais complexo quando o documentarista extrai das atrizes algo além da atuação e representação: histórias de vida delas mesmas.


Numa das cenas, Andréa Beltrão conta sobre a saudade que sente da sua babá. Marília Pêra mostra o cristal japonês que utiliza para passar próximo aos olhos quando necessita das lágrimas nas filmagens. Já Fernanda Torres relata a sua ida a um terreiro de candomblé. Fernanda, inclusive, revela que não consegue interpretar a situação real que lhe foi entregue. “A diferença é que com um personagem fictício, se você atinge um nível medíocre, você pode até ficar ali nele porque ele é da sua medida. Com o personagem real, a realidade um pouco esfrega na sua cara onde você poderia estar e você não chegou”, diz.


Em cento e cinco minutos de duração, o filme vai além do que a situação demonstrada poderia proporcionar. Os aspectos do documentário estão interligados e contribuem para o jogo de cena. Um exemplo disto é o ambiente escolhido para gravação. Nos palcos, que são utilizados para a interpretação, os papéis são invertidos. Ali, mulheres anônimas, que geralmente ocupam a platéia, ganham destaque ao contar histórias emotivas. Já as atrizes, que estão acostumadas a utilizar o teatro para atuar, fazem a vez de platéia a partir do momento em que deixam a atuação de lado e se aproximam do público ao relatar situações reais.


Mesmo apresentando traços utilizados na ficção, como o uso de atrizes, Coutinho não deixa sua forte característica documental, torna o longa-metragem transparente como sempre fez em trabalhos anteriores. Porém, neste, o diretor aposta no universo feminino para relatar histórias sensíveis. E consegue emocionar, seja através da realidade ou da ficção.

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