sábado, 3 de maio de 2008

Documentarista assume que paga por entrevistas e gera polêmica

Errol Morris diz que Standard Operating Procedures não existiria sem os "cachês" dos militares
por Ederli Fortunato


Errol Morris, autor do documentário Standard Operating Procedures, que examina os eventos ocorridos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, reconheceu ter pago alguns dos soldados pelas entrevistas inseridas em seu filme. Segundo Morris, que divulgou a informação em uma entrevista após a exibição do documentário no Tribeca Film Festival, os soldados não teriam concedido as entrevistas sem pagamento.

A regra para a imprensa é não pagar por entrevistas, uma vez que depoimentos pagos perdem credibilidade. Esse procedimento, no entanto, não é padrão na área de documentários. Para alguns, não pagar pelos depoimentos seria abuso por parte dos documentaristas. Afinal, se um documentário gera milhões de dólares para seus produtores e diretores, porque as pessoas que o tornaram possível deveriam ficar sem uma parte do bolo?

Diane Weyermann, vice-presidente da produtora responsável por Standard Operating Procedure e também por Uma Verdade Inconveniente, é uma das defensoras do sistema. Tom Bernard, co-presidente da Sony Pictures Classics, distribuidora do filme, também argumenta que hoje em dia as pessoas têm maior consciência da lucratividade de um documentário e, portanto, se recusam a conceder entrevistas sem serem pagas por seu tempo e informações. Já Tom Rosenstiel, diretor do Project for Excellence in Journalism, uma organização não lucrativa que analisa os procedimentos da mídia, defende a posição de que o pagamento leva as pessoas a tornarem os fatos mais dramáticos do que realmente são.

Um dos problemas é que o documentário sobre Abu Ghraib gerou um livro, que deverá ser publicado em 15 de maio pela editora Penguin, escrito por Morris e Philip Gourevitch. Assim, os dados mostrados no filme serão, em breve, um documento escrito, o que o torna alvo de mais críticas. A revista The New Yorker, onde Gourevitch trabalha, não permite que seus jornalistas paguem por entrevistas, mas o autor disse não ter visto problemas no fato de alguns soldadores terem um acordo com Morris.

Esta é a segunda vez que Morris enfrenta problemas envolvendo pagamento pela participação em um de seus documentários. Em 1988 ele foi processado por Randal Adams, objeto de seu documentário The Thin Blue Line. Adams estava no corredor da morte acusado de ter assassinado um policial e foi libertado depois que o documentário levantou dúvidas quanto à investigação e o processo. Após sua saída da prisão, Adams alegou que não havia cedido os direitos de sua história. O assunto foi resolvido, como tantos em Hollywood, com um acordo.

Questionado, Morris disse não ter sentido necessidade de avisar, no filme, que pagou pelas entrevistas - e argumentou que não informou no final de Uma Breve História do Tempo que o cientista Stephen Hawking foi pago para aparecer no filme. Morris - um dos mais importantes nomes do meio documentarista, autor de Sob a Névoa da Guerra - também informou que sem estas entrevistas pagas de Standard Operating Procedure ninguém conheceria as histórias destes militares.

Já em outro documentário sobre o tema dos abusos no Iraque, Os Fantasmas de Abu Ghraib, de Rory Kennedy, os créditos finais avisam que alguns participantes foram pagos. A HBO, responsável pelo filme, informou que não sabe quais participantes receberam ou não e quais foram os valores pagos. Alguns documentários brasileiros, como À Margem da Imagem, não apenas assumem a prática como a evidenciam no próprio filme.

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